domingo, 16 de agosto de 2009

Entrevista à revista Veterinária Actual


Embora não tenha sido a primeira opção profissional, a medicina veterinária é actualmente a profissão que exerce com paixão. Dedicado à oncologia veterinária, Joaquim Henriques assume-se como pioneiro em Portugal na utilização da terapia fotodinâmica no tratamento de cancro em animais. O seu mais recente projecto é o doutoramento cuja investigação incidirá em linfoma não-Hodgkin no cão, tentando perceber a influência das proteínas no seu desenvolvimento e identificar factores de prognóstico para o tratamento da doença.
Veterinária Actual – A sua primeira opção profissional estava relacionada com a área da biologia e da genética. De que forma estas se ligam com a oncologia veterinária?
Joaquim Henriques – O cancro é das doenças mais estudadas actualmente, e tenta-se perceber-se não só o que se pode aplicar como terapêutica, mas o que provoca a doença e o seu comportamento biológico. Alguns mecanismos genéticos de certos tumores são muito conhecidos, por exemplo, há linfomas que sabemos que têm alterações genéticas ou cromossómicas características, e que algumas dessas alterações também podem estar relacionadas com a infecção por vírus.
No campo terapêutico também já se fala em terapêutica génica, em que se pode conseguir manipular as células e introduzir “promotores de morte”, programando-as para morrer.
Portanto, é fundamental conhecer os mecanismos biológicos da oncogénese e as alterações genéticas associadas para se poder entender e estudar novas abordagens diagnosticas e terapêuticas.

O avanço no desenvolvimento deste tipo de tratamento é semelhante na área humana e na veterinária?
As grandes investigações andam par a par nas duas áreas. Hoje em dia, uma das grandes mais-valias na área da oncologia é o recurso a cães e gatos como modelos naturais, nos quais os tumores surgem de maneira espontânea.
Isto é muito importante, porque estes animais estão sujeitos ao mesmo ambiente e factores de risco que os seres humanos e podem receber o mesmo tipo de terapêutica. Há estudos que apontam para um aumento da probabilidade de desenvolvimento de linfoma, em seis vezes, num gato que viva com um fumador.
Na veterinária temos é menos dinheiro, mas nos EUA o Instituto de Saúde lançou um programa nacional em que dá tanta prioridade à oncologia veterinária como à humana, o que faz com que, entre outras iniciativas, esteja a ser criado um banco de tecidos de tumores animais, porque se sabe que muitos tumores têm comportamento biológico semelhante aos desenvolvidos em pessoas.
Portanto, ao estudarmos factores de risco, alterações genéticas e opções terapêuticas num animal, podemos obter resultados muito mais rápidos do que numa pessoa. Por exemplo, o período de remissão de um linfoma num cão anda à volta dos 12 meses enquanto que numa pessoa rondará os 5 a 6 anos. Desta forma, é possível obter informações sobre a resposta ao tratamento e comportamento biológico num período temporal muito mais curto do que no caso de realização de testes em humanos. Além disso, é possível monitorizar as condições em que o tratamento é feito, porque o cão come sempre a mesma ração, vive praticamente sempre no mesmo ambiente, e sabemos exactamente ao longo desse ano o que o animal fez, enquanto que uma pessoa está sujeita a imensas variáveis e factores externos.

Preocupação com qualidade de vida do animal

No caso dos donos dos animais, também há uma mudança de mentalidade ou continuam a ver o cancro como a morte inevitável do animal, logo que não é necessário recorrer a tratamento que, por vezes, pode ser dispendioso?
Comecei a interessar-me pela oncologia veterinária porque via animais com cancro, na minha prática clínica, cuja opção de tratamento era muito limitada. Há menos de uma década, além da cirurgia, da cortisona e de eventualmente alguns analgésicos, a terapêutica antineoplásica era muito limitada.
Entretanto, fui pesquisando o que se fazia no estrangeiro, entrei em contacto com a minha grande mentora, Jane Dobson, oncologista da Universidade de Cambridge, e sobretudo com o Instituto Português de Oncologia (IPO), em Lisboa. Comecei então a aplicar os tratamentos que estudava e que eram realizados nas pessoas, embora tivesse colegas que me desincentivavam da ideia. O que é certo é que, actualmente, as pessoas estão mais receptivas a este tipo de tratamento para os seus animais e preocupam-se com a sua qualidade de vida.
Uma das perguntas mais frequentes é se o animal vai vomitar, se lhe vai cair o pêlo, se vai ficar debilitado... Raramente chegamos a situações extremas destas, porque os efeitos secundários nos animais não são tão agressivos como nas pessoas e também porque tentamos dar uma componente muito humanizada ao tratamento – o animal não entende porque está a ser submetido a todo aquele processo. No fundo, o que se ambiciona é tratar o animal através de uma boa resposta terapêutica, mas com o mínimo de efeitos secundários.
Saliento também o facto de receber clientes que vêm, propositadamente, de outras zonas do país para virem a uma consulta de oncologia veterinária e para saber o que podem fazer pelo seu animal, que é considerado um membro da família.
Uma situação comum no caso de mulheres com cancro de mama que vêm com a sua gata ou cadela com o mesmo tipo de tumor, é questionarem se o animal vai sofrer os mesmos efeitos secundários do tratamento que as donas realizaram e cujos efeitos secundários ainda recordam.
No fundo, os proprietários têm vindo a procurar mais este tipo de tratamentos. O que ainda acontece é que alguns médicos veterinários ainda não estão muito sensibilizados para a oncologia e para o que é possível fazer pelos animais nestes casos. E, hoje em dia, é possível fazer-se muito por um animal com doença oncológica.

E ainda se confronta muito com o problema da eutanásia?
A eutanásia é uma coisa boa. Como o próprio nome diz é uma “boa morte”. Há é que entender a diferença entre matar e deixar morrer.
Confronto-me frequentemente com a eutanásia, e são animais com os quais há um grande envolvimento afectivo e que estiveram muito tempo a ser tratados e em que esta surge como acto terapêutico final, quando já não há mais nenhuma alternativa terapêutica. Normalmente também alerto os proprietários a não aplicar a eutanásia, só quando o animal já está em agonia. A eutanásia deve ser um recurso a utilizar quando o animal já não tem solução clínica e não quando este está prestes a dar o seu último suspiro.
Hoje em dia também não podemos permitir que um animal tenha dor, porque, tal como nas pessoas, esta pode ser manipulada e controlada, com recurso a diversos fármacos.

Os cuidados paliativos nos animais são realizados em internamento?
Tal como nas pessoas, acredito que o melhor internamento do doente oncológico é em casa. E os proprietários são enfermeiros fantásticos, desde que ensinados.
O maneio da dor consegue-se através de terapia multimodal e, desde que o proprietário saiba reconhecer os sinais de dor e as causas, todos são capazes de fazer o acompanhamento do seu animal, além de terem os meus contactos disponíveis 24 horas por dia.
Outra das terapias que sugiro é a acupunctura, que é muito eficaz para ajudar no controlo da dor do animal.
Factores de risco

Quais os tipos de cancro mais comuns na sua prática clínica?
Varia um pouco, mas os que mais vejo na minha prática clínica são o linfoma, os tumores cutâneos, de mama, do baço e leucemias.
Há ainda os tumores da cavidade oral que também começam a surgir com maior frequência.

O que leva ao aparecimento da doença nos animais?
Hoje sabe-se que há tumores que têm factores de risco particulares e outros para os quais há uma predisposição genética.
No caso dos gatos, estão sempre a lavar-se e todas as toxinas existentes no pêlo entrarem em contacto com a boca e são ingeridas, isto pode ser um factor de risco para o cancro da cavidade oral e do tracto gastrointestinal. Outra coisa comum é o FeLV (vírus da leucemia felina) que contribui para o desenvolvimento de leucemias e linfomas nos gatos.

E no caso do tumor da mama?
Está muito associado nas gatas ao uso de contraceptivos e às injecções abortivas. Na minha prática clínica, quase 90% das gatas que vejo com cancro da mama tomaram pílula de forma indiscriminada ou fizeram injecções abortivas.
No caso de fêmeas recomendo sempre a esterilização, porque, mesmo quando se pensa no custo da intervenção, fica mais barato do que o recurso à pílula ao longo da vida.

Tratamento não invasivo

Quando começou a utilizar a terapia fotodinâmica?
Quando tentava alargar os meus conhecimentos na área da Oncologia, fui ter com a Dr.ª Jane Dobson a Cambridge (Inglaterra) e, um dia, vi-a a realizar uma intervenção com recurso a esta terapia para tratar um gato com carcinoma espino-celular. Achei curioso o facto de a oncologista ter mandado criar o seu próprio dispositivo na Faculdade de Engenharia da Universidade de Cambridge, sendo um tratamento que se baseava na luz para tratar um tipo de cancro que é muito comum nos nossos gatos, mas que em Inglaterra é pouco frequente devido à pouca exposição solar.
De regresso a Portugal, curioso com esta técnica, fui-me informando e soube que esta técnica já era aplicada em humanos no IPO. Resolvi investir e, em vez de comprar um carro novo, comprei o equipamento que me permite realizar este tratamento.

Em que consiste a técnica?
Isto é uma coisa muito antiga, porque em medicina, muitas vezes, não aprendemos nada de novo. Os egípcios já tinham percebido que alguns corantes, em contacto com a pele, matavam parasitas ou até curavam feridas.
Basicamente, é este o princípio, utiliza-se uma porfirina, um derivado da hemoglobina, ou outro fotossensibilizante – aplicado topicamente ou por via endovenosa – que é activado pela luz com determinado comprimento de onda específico e produz moléculas tóxicas de oxigénio que vão danificar e, consequentemente, matar as células cancerígenas.
Esta é uma terapia que tem apresentado resultados bastante promissores em vários tipos de cancro.

Em que tipo de tumores tem utilizado esta técnica?
Aplico-a sobretudo em carcinomas espino-celulares, com resultado muito positivos sem recurso à cirurgia que seria desfigurante para o animal, pois passa muitas vezes por excisão do nariz ou orelhas.

Quais as vantagens?
O tratamento é realizado sobre anestesia geral, mas muito curta – com duração de cerca de 15 minutos –, e é praticamente indolor e não-invasiva, com efeitos secundários mínimos pelo que o animal vai para casa de seguida.

Como “convence” os donos a recorrer a terapias e tecnologias de ponta?
Esta é uma terapia que não é cara e tem a vantagem de não ser invasiva, o que é logo um factor motivador para os donos. Além disso, a taxa de sucesso é bastante elevada, quando a terapêutica é aplicada em casos precoces. Os tumores a irradiar devem ser seleccionados para que se obtenha o máximo proveito terapêutico.